Para além de Diversão e Visuais

Para além de diversão e visuais - Sobre a relação do psiconauta com os psicodélicos e sobre não se limitar a efeitos visuais.

 Existe um pensamento na maior parte dos psiconautas iniciantes de que a intensidade dos efeitos visuais é um fator de validação, de autenticidade e qualidade de uma experiência. 
 Geralmente consideram que qualquer viagem que não tenha uma avalanche estonteante de visuais seria inferior ou ineficaz.

 Acontece que é de conhecimento das tradições psicodélicas, tanto nos meios ayahuasqueiros quanto nos veteranos da lisergia da década de 1960, e até pelos que preferem cogumelos, que uma boa experiência psicodélica está muito além de efeito visual. 


O que é a essência de um psicodélico?

 Voltando à base dos conceitos, "Psicodélico" foi uma palavra criada em trocas de carta entre Aldous Huxley e Humprey Osmond. 
Ela é feita de duas partes, Psych representando Alma/Mente e também Dêlos do grego, sendo algo como manifestar/fazer presente. Portanto, um psicodélico pode ser "traduzido" como um manifestador da alma.

 Esse termo foi escolhido pra definir um pequeno grupo de substâncias que tinham em comum algo muito especial, a capacidade causar um estado neuroquímico capaz de trazer experiências significantes pra vida do usuário, geralmente catalizando mudanças bruscas na perspectiva e hierarquia de valores; isso tudo acompnhado de uma percepção menos materialista e mais humilde diante da grandiosidade da existencia.
 Sendo essas substâncias 4 principais: DMT, Psilocibina, LSD e Mescalina. Esses são os chamados psicodélicos clássicos. Eles compõe a base dessa cultura e de todos os frutos que ela gerou.

 Poderiamos dizer então que a essência da experiência psicodélica é esse estado expandido de consciência, podendo ou não ser acompanhada de distorções visuais, visões de mandalas, e delírios dos mais variados.

Efeitos visuais são bons, mas não são tudo.

 Voltando então ao tema principal, essa associação da intensidade do efeito visual com a qualidade de uma viagem não é totalmente errada, se vislumbrar com a belezas geométricas, com as cores e com tudo que os psicodélicos podem fazer seja de olhos abertos ou fechados, é sim parte de uma boa experiência.

 A estética vivida através dos psicodélicos é essencial pra formação dos ideiais e valores do que veio a se tornar uma cultura psicodélica.
 Cultura essa criada principalemente com o rock e os posters dos hippies da década de 1960, levada a frente pelo Goa na Índia, e ainda hoje perpetuado pelo Psytrance. Isso sem considerar todas as outras vertentes músicais, literárias, e artisticas que se inspiram na psicodelia.
 
 Mas também não deve ser tratado como o único objetivo, isso seria reduzir o potencial das substâncias a apenas um prazer estético.

A Anima dos Psicodélicos

 Existem alguns psicodélicos em especial que se destacam por seus efeitos visuais, como o 2CB, ALD 52, Eth Lad, DMT e Nbome. Não dizendo que os outros não tenham, mas viagens desses é quase que certeiro de ter muito efeito visual.

 Quando tratamos de psicodélicos como LSD, Mescalina, Psilocibina, são esses também capazes de causar efeitos visuais, porém não são tão facilmente direcionáveis pra esse feito. 

 Uma percepção frequente em psiconautas experientes é de que há uma espéciale de Anima em cada psicodélico, como se ele tivesse uma intenção própria.
 Isso vai totalmente contra o discursso comum quando tratamos por exemplo da diferença entre os cristais de LSD. Frequentemente as diferenças que são relatadas por quem percebe contrastes na experiência com um California Super Fluff ou um Super Joy, por exemplo, são reduzidas a mera questão de decidir qual é mais puro ou mais dosado, com os dizeres "LSD é LSD" como se uma vez que se tem a molécula a experiência será sempre a mesma.
 Isso deixa de lado todo o aspecto alquímico relacionado a produção de substâncias tão profundas na mente e na alma humana. O que estou dizendo não é uma argumentação científica baseada em estudos nem análises. Mas sim em algo mais importante, a experiência direta que temos com o mundo e com as coisas nele.

 É como uma comida feita com cuidado e capricho, uma boa cerveja feita com atenção aos detalhes e uma boa escolha de ingredientes, como um artista que toca a música com emoção. 
 Quando as coisas são feitas com boas intenções e mente presente acabam sendo muito mais profundas, tocantes e significantes do que quando feitas de modo mecânico e simplista.
 Então sim, LSD é LSD, mas quem faz intefere profundamente no produto. Assim como quem faz a Ayahuasca, quem cultiva o cacto ou o coguemlo, etc.

 Essa Anima seria uma espécie de entidade capaz de auxiliar quem esta tendo a experiência, de acordo com o que ela mesmo julgar ser necessário, ser vivido, visto e sentido durante as horas de efeito.
 Isso vai diretamente contra a ideia de que sempre que você colocar uma mesma molécula no seu corpo ela sempre vai reagir de forma previsível e consistente. Falo isso sem nem considerar questões de set e setting, o que delongariam mais ainda o tema.

 E por ter essa Anima, acabamos por vezes não tendo experiências tão visuais com LSD ou com um cogumelo por exemplo. A Anima está consciente e te guiando durante o efeito, e de modo geral a maior preocupação dela não é te dar efeitos visuais dos mais impressionantes sempre. É como diz um popular ditado psicodélico ***"você não tem a experiência que quer, tem a experiência que precisa".***
 Isso em parte é o que torna os Psicodélicos substâncias tão especiais. Diferente de heroína, cocaína ou até mesmo os benzos que se comportam apenas como fármacos, só ingerir e você tem uma fácil previsibilidade de como vão ser as próximas horas, o que leva a longo prazo ao abuso. 


É Necessário criar um relação com os Psicodélicos

 Psicodélicos tem por natureza uma caracerística corretiva e disciplinar. Não é atoa que é frequente que ocorram bad trips por usuários inexperientes, que os tomam em ambientes desfavoráveis, sem nenhum tipo de preparamento ou conhecimento. 
 Psicodélicos são exigentes, não querem um usuário qualquer por pleno prazer e diversão. Ser psiconauta requer um acordo entre duas partes, a substância vai exigir de você e você dela, como em qualquer relação saudável. 

 Drogas de abuso entregam prazer máximo instantâneamente de forma replicável e previsível mas cobram toda sua energia, disposição e saúde pra elas.
Psicodélicos, por outro lado, exigem antes de tudo que você se prepare pra viagem, saiba da procedência e qualidade da substância que vai ser consumida. Que tenha boas intenções, boa música, boa companhia; pra que possa te dar uma boa experiência é exigido que antes você se coloque em uma situação saudável e favorável ao seu bem estar. E é claro que alguém capaz de fazer isso pra ter experiências de longo prazo com LSD, por exemplo, vai tambem levar essa hábito pra todos os outros aspectos de sua vida. 


Um pequeno adendo científico

 Pra finalizar, já tendo argumentado de modo geral sobre o que o psiconauta pode esperar da experiência e como deve se portar pra que tenha uma sessão positiva, concluo com uma breve incisão para temas mais científicos. De modo geral não gosto de reduzir o mundo à métrica limitada dos métodos científicos, principalmente se tratando de algo que tende ao lado espiritual e mental de modo tão profundo. 

 Mas deixo aqui alguns artigos científicos que falam sobre os efeitos de psicodélicos no cérebro humano e que desenvolvem de modo mais técnico a relação dos efeitos subjetivos experenciados pelos usuários e a ação das substâncias psicodélicas no nosso cérebro.

The effect of lysergic acid diethylamide (LSD) on whole-brain functional and effective connectivity. link


Brain Networks, Neurotransmitters and Psychedelics: Towards a Neurochemistry of Self-Awareness. link


The Effects of Psychedelics on Neuronal Physiology. link

 Dentre os diversos tópicos desevolvidos nos estudos, se conclui também que baixas dosagens de psicodélicos tendem a aumentar a atividade de regiões que na Rede de Modo Padrão já apresentam intensa atividade, como no caso do Lobo Occiptal, responsável em grande parte pela visão. 
 O que se dá em sequência quando temos dosagens maiores é uma maior conexão de partes do cérebro que anteriormente não se comunicavam, gerando fenômenos como a sinestezia (ver sons, ouvir cores, sentir gosto de texturas e toda essa mistura sensorial).

 Isso sem citar todos os fenômenos que acontecem na psiquê, todas as memórias, crenças e a forma com que tudo isso também passa por mudanças intensas e significantes, tornando os feômenos visuais algo de segunda ordem.
 

Um último recado

 Então diferente do que normalmente é interpretado, uma boa experiência psicodélica não é sobre visuais intensos; não é porque um psicodélico não causa efeitos visuais super fortes que ele seja sub-dosado ou de falsa procedência. 
 Tenham sempre em mente o quão ampla e profunda é a experiência psicodélica, não se limitem apenas aos visuais, caso oposto é como uma criança vendo uma tela colorida, hipnotizada pelo espetáculo de movimento e cor. Olhem para além da beleza estética, essa experiência tem muito mais a entregar do que apenas diversão e prazer. 

 Deixo também algumas dicas de leitura para que se aprofundem no entendimento da experiência psicodélica como algo sagrado e profundoh

- Psychedelics and Spirituality: The Sacred Use of LSD, Psilocybin, and MDMA for Human Transformation link

- Articulations: On The Utilisation and Meanings of Psychedelics link

- Zig zag zen: buddhism and psychedelic link


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